UMA EDITORA A ESCUTA DO MUNDO PAR L'EXPRESSO PRESSE PORTUGUAISE


 


Expresso, 30 de Abril de 2005

Uma editora à escuta do mundo
O espantoso catálogo Frémeaux & Associés está de novo disponivel em Portugal

Durante muito tempo representada em Portugal pela Strauss, a editora francesa Frémeaux & Associés passou agora a ser distribuida pela Dargil. Para o seu « relançamento » no nosso mercado, deslocou-se a Lisboa o seu proprietário e fundador, Patrick Frémeaux, com quem tivemos a oportunidade de conversar. Foi ele quem explicou que « a editora nasceu há cerca de 15 anos », porque constatou que « aquilo a que chamamos músicas do mundo não beneficiavam do mesmo reconhecimento histórico que a música clássica, tida por mais nobre ». Ora , na sua opinião, «  as músicas de mestiçagem têm um papel bem mais importante do que a música dita erudita, porque são o reflexo perfeito do movimento migratório e da miscigenação de culturas ». Por isso, a Frémeaux & Associés começou a reeditar gravações históricas de música tradicional francesa, mas também samba, tango, flamenco, jazz, country, blues, fado e por aí fora, tendo constituido um catálogo que conta actualmente com mais de 800 referências, incluindo uma « livraria sonora », onde é possivel encontrar , por exemplo, livros de Albert Camus lidos pelo proprio. « O que eu procuro, como editor, é ter um papel complementar », explica Patrick Frémeaux, que assegura editar « aquilo que praticamente não interessa a mais niguém ».


Todos os seus discos sao duplos e fazem-se acompanhar por livros que  contextualizam historicamente  a música, explicando-a do ponto de vista sociológico. Um critico francês, o conceituado Alain Gérber, comparou o catálogo da Frémeaux & Associés ao famoso “museu imaginario”  de Malraux. O nosso interlocutor  só concorda em parte : “Há, com efeito, um aspecto duplamente meuseográfico no nosso trabalho, quer pelo conteúdo, quer pela ambição. É por isso que as nossas obras estão todas constantemente disponiveis, qualquer que seja o resultado financeiro de cada disco. Todos os anos fazemos um catálogo com a totalidade dos nossos lançamentos. Como num museu, tudo o que fazemos está disponivel ao público. »


Patrick tinha 18 anos quando começou a trabalhar neste projecto. Lançou os primeiros discos importantes quando tinha 25 anos. Tem hoje 38 anos e orgulha-se de vender qualquer coisa come dez milhões de discos por ano. Segundo afirma, isto só é possivel porque a sua editora não se situa no mesmo plano qua as outras empresas, que tém que rentabilizar os seus investimentos a curto prazo. E dá exemplos : « Quando lançamos um projecto tão ambicioso como a integral das gravações de Django Reinhardt, em 40 CD duplos, isso implica seis a oito anos de produção e mais sete ou oito anos para os lançar e sete a oito anos para os amortizar. » Ou seja, entre o momento em que começam a trabalhar no projecto e o fim da amortização do ultimo disco, passam de 20 a 24 anos. Algo de impensável para a maior parte das outras editoras. Outro exemplo : « Uma ‘major’ nunca poderia ter lançado a nossa antologia sonora do pensamento françês, que inclui todos os grandes filósofos franceses do século XX. Só para obter todos os direitos e autorizações foram precisos vários anos. Mas, no fim, vendemos dez mil caixas ! » Neste momento, um dos maiores éxitos da editora em França é precisamente La Contre-Histoire de la Philosophie, um curso dado pelo filósofo Michel Onfray, que ocupa 12 CD e que já vendeu qualquer coisa como cem mil discos num  ano !


A sua actividade ensinou a Patrick que « quanto mais se conhecem outras culturas, mais humildes ficamos em relação à nossa própria cultura ».Segundo afirma « quando aprofundamos a história do blues, por exemplo, percebemos que essa história do racismo entre brancos e negros não corresponde exactamente à verdade dos factos. Há imensas gravações de country-gospel, muito antes da orquestra do Benny Goodman ». Para ele, não existe nenhuma música pura, “porque a música, por definição, reproduz as fusões às quais a cultura está sujeita desde sempre”. Isso explica que muita música (como o nosso fado) tenha nascido em cidades portuárias, onde o tráfego entre culturas é intenso. « Um dos instrumentos que teve um papel mais importante nestas trocas é a harmónica, pois cabe num bolso, mas tambem o violino, que é facilmente transportável ». E diz também : « Todos temos sangue judeu, arabe e outros, mas em doses diferentes e são essas diferenças que nos caracterizam. A cultura não faz mais do que reproduzir essa realidade ».


Uma das razões para a sua vinda a Lisboa foi a apresentação na Fnac Chiado de um disco intitulado Portugal, 25 Abril, 25 Canções. A obra já tinha sido editada pela Strauss há cerca de cinco anos, mas desta vez é (re)lançada com um livro destinado aos países anglófonos e francófonos. Patrick assegura : « trata-se de uma edição international que tem uma grande importância para nós, pois reflecte uma revolução feita com flores e todo um movimento social e popular que é um misto de Woodstock e Maio de 68 ».

Jorge Lima Alves